O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Coração e vida — Maria Dolores


25

A enfermeira do Além

1 Ela, a querida irmã desencarnada,
Fizera-se enfermeira,
Aliviava a dor, de estrada à estrada,
Era uma espécie de bondade inteira,
Socorrendo aos irmãos que a morte espalhava nas trevas…


2 Há trinta anos servia,
Sem escolher lugar, trabalho ou dia.


3 Naquele imenso mar de sombra, o tempo parecia
Uma chaga mental sem esperança
De melhorar ou desaparecer…


4 Certa feita, contudo, a grande obreira alcança
Uma estranha mulher, deitada numa furna;
Embora não tivesse a morada carnal,
Estava cega e só, deformada e ferida,
Patenteando a dor que lhe marcara a vida.
Ao ouvi-la gemer.
A irmã dos infelizes,
Põe-se, em campo, a cumprir
O que considerava por dever.
Impressionada, ao vê-la de mais perto,
A missionária, indaga, a peito aberto:
— Irmã, ouço-te o choro, há muitas horas,
Por que tens tanto fel nas lágrimas que choras?
5 A pobre murmurou, pausadamente:
— Ai de mim! o que sou e de onde venho?
A memória não dá para lembrar…
Sei mostrar simplesmente as misérias que eu tenho…
6 Há muitos anos, quantos já nem sei,
Fui menina feliz num grande lar…
Recordo muito mais as dores que causei…
Minha mãe me queria
Para exaltar a natureza,
Num misto de elegância e de beleza,
E falava que eu era uma rosa entre as rosas,
Fosse para enfeitar as festas deleitosas
Ou estender no mundo o aroma da alegria…
7 Minhas aspirações caíram, uma a uma,
Minha mãe não me quis em profissão alguma,
Vestia-me, orgulhosa, o corpo esbelto e fino,
Dizia que brilhar traçava-me o destino…
8 Casei-me, tive um filho e, depois de dez anos,
Troquei meu lar feliz por prazeres mundanos,
Meu esposo rogava o meu regresso em vão.
Meu filho fez-se logo um belo rapagão,
Vendo-me as aventuras, certo dia,
Ele, menino e moço, veio visitar-me,
Condenou-me os costumes sem alarme,
Falou e lamentou-se em voz severa,
De conhecer por mãe a mulher má que eu era…
9 De cabeça alterada em cocaína,
Revoltei-me, ataquei-o… Atrás de uma cortina
Apanhei um revólver no meu quarto,
Voltei à sala e apertei o gatilho,
Num tiro certo, assassinei meu filho!…
Depois de vê-lo morto, junto a mim,
Voltei a arma contra o próprio peito
E matei-me por fim!…
10 Em seguida, a uma pausa demorada,
Contou a própria vida e deu o próprio nome…
Na pavorosa mágoa que a consome
A mulher prosseguia, consternada:
— Nunca mais vi ninguém das pessoas que amei
Para mim, tudo é noite e a noite me carrega
Porque vivo sozinha, triste e cega
Decerto obedecendo alguma lei
Que não sei compreender nem explicar…


11 A enfermeira caiu em pranto ardente
E indagou da mulher, amargamente:
— E se encontrasses neste mar de trevas
Nos furacões de dor a que te levas
A mãe que te entregou à rebeldia,
Teu coração que chora a perdoaria?
— Nada tenho a perdoar — disse a pobre atada ao sofrimento —
Minha mãe era um anjo em forma de mulher,
Jamais a esquecerei, um momento sequer,
Ela vivia, em tudo, a trabalhar por mim,
Não teve qualquer culpa de meu fim…
Se só me fez o bem, fui eu quem fiz o mal…
Do amor que ela me deu
Fiz todo um lamaçal…
Ninguém pode encontrar motivos de censura
No carinho de alguma criatura
Que nos dê uma lâmpada sublime,
Se lhe usarmos a luz para fazer um crime…


12 A enfermeira abraçou-a a encharcar-se de pranto
E quando a jovem triste e atormentada
Perguntou-lhe entre aflita e altamente intrigada,
Por que razão ela chorava tanto,
A benfeitora apenas respondeu:
— Deus louvado!… Encontrei o que procuro,
Venceremos na Terra do futuro,
Filha do coração, a tua mãe sou eu!…


Maria Dolores


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